segunda-feira, 31 de maio de 2010

+ Beleza



Chegou em casa com muitas sacolas na mão. Quase não lhe cabiam tantas alças e por isto, tinha que usar os antebraços longuineos, já marcados devido a cor-de-leite da pele que quase nunca havia trabalhado ou pegado qualquer peso em toda sua vida. Vida essa que não havia tanto tempo, nem tinha tantas primaveras assim. A verdade é que , estava tão eufórica com todas aquelas coisas, que nem tinha se notado carregando pesos a mais do que poderia aguentar.
Passou pela cozinha andando rápido, mas não chegou a correr: Tinha medo de despertar a curiosidade da mãe. Chegou no quarto com o coração acelerado, mas não se apressou em colocar as coisas na cama : Queria apenas olhar e pensar que tinha. Esquecer, lembrar as vezes.Sentou de lado na cama e começou a abrir os pacotes : Roupas de renda, soutiens, sapatos de salto e maquiagem... muitas maquiagens.
Para a menina aquilo não eram só roupas. Na verdade, ela nunca teve muita vontade de estar nos padrões impostos pela sociedade. Mas precisava.
Suas amigas ( as poucas que tinha ) gostavam dela, e a tratavam bem. Mas não era o bastante: Ela queria ter a tudo, e a todos. Ela queria que os garotos a fitassem com outros olhos. Testou a maquiagem várias vezes. No começo ficou ruim, mas foi aprendendo. Trocava as roupas só para se olhar no espelho.
E assim foram se passando os dias. Ela teve alguns garotos, algumas amigas. Mas passou rápido demais antes que piscassem os olhos; na verdade sim, os meninos a fitavam com outros olhos: Os olhos vermelhos da luxúria. E a tinham, tinham muitas vezes. Mas depois de um tempo, não à queriam mais. Ela ficou tão bela, boneca... tanto que levou a fazer dela mesma essa verdade absoluta: Brincavam, e depois jogavam fora.
As amigas davam risada com ela, e também eram brinquedos com ela. Mas não passava disso: quando se sentia sozinha, era assim que ela ficava. Sozinha.
Deixou passar boa parte daquela sua infancia, e amadureceu precoce. Ainda tinha tudo aquilo: Beleza, maquiagem, roupas, sapato de salto. Mas não tinha aquela euforia de menina, e era nela que se apoiava quando tinha saudade do tempo em que era tão influenciavel, mas tanto, que acabou deixando tudo para trás por uma coisa que não lhe faria bem. A menina, há muito esqueceu os livros. Sempre que conversava com alguém, que buscava entende-la e descobrir o que havia por trás de todas aquelas mascaras, acabava o assunto fácilmente. Isto porque a  boneca deixou de ser interessante, mas nem por isso deixou de ser boneca: apenas deixei de ser menina, ela dizia para sí mesmo.
Foi num fim de semana, num dia frio e de chuva, que ela cometeu o maior crime que poderia ter cometido em sua vida de boneca: Não quis se vestir, muito menos se maquiar. A boneca, neste dia, fugiu do mundo: Não atenderia telefones, campainha, ou qualquer outra coisa. Tinha vergonha de seu rosto sem sua mascara.Sempre teve vontade de fazer, comer sem ter medo de engordar, ficar de pijama ao longo do dia, descabelada. Passava correndo aos espelhos, com medo de olha-los e descobrir que, ainda era menina. Tinha paixão pelas letras, então, neste dia, leu muito. Leu com paixão, tinha fervor em ler, virou escrava das letras. Tirou da gaveta, um empoeirado caderno de rascunhos, e escreveu. Aquele seria o seu segredo, não iria contar para ninguém.
A noite chegou fácilmente. Olhou o horizonte e ele anunciava: Trocaria a eternidade por esta noite. Não acreditou que faltava apenas poucas horas para amanhecer, quase chorou ao lembrar. A menina pos suas asas, olhou os vitrais, e foi se deitar. Virou-se para um lado e para o outro, uma lagrima desceu de seu rosto. Por um instante pensou : TUDO ESTÁ AO CONTRÁRIO. O que estou fazendo comigo mesma? Tomou coragem e levantou. O choro era constante neste momento, ligou a luz do quarto, uma luz amarelada que cegava os olhos que há tanto estavam no escuro.Caminhou ainda meio trêmula ao espelho, e fitou-a. De todas as surpresas que tivera em todas as suas primaveras, a menina (não mais boneca) descobriu que essa era a maior. Esfregou os olhos, olhou-a novamente. Passou a mão tremula pelo rosto, desceu os olhos aos seios, ao resto do corpo, até chegar nas meias que estavam nos pés. Ficou cada vez mais admirada com o que via.
Viu um rosto familiar atrás no espelho, e percebeu que sua mãe também a olhava. As duas olhavam juntas para o espelho, e descobriram que naquele momento, ele não estava refletindo só o que havia fora, mas a sua alma.
A mãe passou a mão nos cabelos da filha e saiu, quase quieta, se não fosse por uma só frase dita: " Você está linda hoje."
E deixou ficar subentendido.

6 comentários:

  1. Amei o texto.

    E respondendo do seu comentário, eu realmente estou amando.

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  2. Você escreve muito bem. É uma maravilha vir aqui e ler você. Uma pessoa muito interessante no rol da literatura!
    Congratulações a você!
    Escreva sempre.

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  3. Sua história ao fogão de lenha é incrível. E o fato poético ao usar flores perfumadas que ficaram gravadas para sempre na fotografia? Veja só, coisas de escritores, não se esquecendo de quaisquer detalhes
    Obrigado por me comentar!

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  4. adorei a maneira como escreve
    vou te seguir
    beeijo

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  5. Adorei seu texto. Aliás, adoro o que você escreve e como escreve.

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Não gaste teclado: SE NÃO LEU, NÃO COMENTE. Também não tente me enganar: Eu percebo quando a pessoa não leu nada. (Aliás, tem gente que não lê nem isso aqui).