domingo, 19 de janeiro de 2014

Xavier


Nesses constantes momentos acredito que sei como é estar morta. Vazia de sentimentos, nada me passa pela cabeça ou me faz crer que vivo. O quarto está escuro e o único som audível é da respiração de Marco. Como num impulso, eu fecho os olhos e tento sentir algo. Também como num impulso, eu quase ouço o som de um grande instrumento, mas precisamente, sinto meus dedos nas teclas de um piano, a qual eu conheço bem. Mas a sensação é momentânea, é imaginária. Preciso sentir que vivo, preciso escrever.
Me sento na cama e tateio o aparelho celular. O relógio me mostra 00:03hs, e o que eu penso em fazer parece errado. Ignoro o pensamento e ligo a lanterna do meu celular. Na gaveta do criado mudo eu encontro o caderno, e me dirijo ao armário em busca de uma caneta. Mas não qualquer caneta, a caneta preta de tinteiro, presente do meu pai.
As palavras pulam, da minha cabeça para a caneta, da caneta para o caderno. São as ultimas páginas de um romance, que nunca publicarei. Escrevi até as 2 da manhã, e por fim, terminei. Está feito.
A cama não me parecia atraente. Mas o cansaço me dominou e eu finalmente adormeci. E me encontrei com ele, mas uma vez.
Esse sonho eu conhecia quase que de cor. Era meu pai no salão do orfanato Xavier, em Alphaville, São Paulo. O piano estava atrás dele. Ele estava de camisa branca, tecido fino, uma calça jeans. Enquanto eu estava com um blusão de lã, uma calça confortável e uma botinha. Sempre que ele vinha a mim, estávamos da forma mais confortável possível; isso pra mim era bastante simbólico, já que eu sempre via meu pai de terno e gravata. Então eu o via e sem euforia, como se ele sempre estivesse lá, me esperando, ia até ele. Sentava ao seu lado no piano, e tocava pra ele. E quando eu terminava ele dizia: "Está na hora, Lili". E sorria. "Você sabe, você precisa estudar. Precisa andar com as suas pernas".
Ele me tirava o cabelo do rosto e então finalmente me abraçava. "Não se arrependa das suas escolhas", ele sussurrava. E assim meu sonho chegava ao fim.

10 comentários:

  1. Acho que sei bem como é sentir isso que descreve nas duas primeiras frase. Esse texto é seu ? Bem, se for, eu senti muito pesar nele, parece melancólico, mas gostei das palavras que usou e como usou.

    ʕ•ᴥ•ʔ

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  2. Gosto do jeito que escreve.Só não entendi a parte do encontro com o pai, ele esta vivo, ela o imagina ou é só um sonho e não algo que aconteceu em algum momento com ela?

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  3. Que coisa mais linda, Mona. ♥

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  4. Gostei muito do texto!!!!Queria ler mais!!!Vc tem talento,bjs

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  5. Nossa estava com saudade dos seus textos mona... acabei de me lembrar que com a correria do casamento não vi o final da história do Jr com a Maitê... você terminou? Vou xeretar!! Vi que vc está lendo "Extraordinário", vc está gostando? Eu comprei, mas ainda não comecei!!

    Bjos Srt!!
    asbesteirasquemecontam.blogspot.com.br

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  6. Me encontrei um pouquinho nas inquietações, na sede das palavras, na cama que nunca me atrai (queria dormir num caderno).
    Gostei bastante, gostei bastante.
    Beijo!

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  7. Que história incrível Mona, você tem muito talento para contista, sabia? Quero ver mais contos seus aqui no blog, esse me deixou arrepiada!


    Beijos =*

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  8. Acho que de vez em quando todo mundo se sente meio morto, pensamentos mórbidos são resultado de uma alma machucada, lindo texto Mona

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Não gaste teclado: SE NÃO LEU, NÃO COMENTE. Também não tente me enganar: Eu percebo quando a pessoa não leu nada. (Aliás, tem gente que não lê nem isso aqui).